Teologia
A oração de Jesus por Joshuah de Bragança Soares
Oração de Jesus, que se espalha hoje pelo Ocidente com tanta rapidez e aceitação, não só nos círculos da vida consagrada, mas também entre simples leigos, é a marca da espiritualidade dos monges orientais, principalmente dos mosteiros da Rússia, a partir do século 19, propagada através de um inspirado opúsculo, os Relatos de um Peregrino. O que significa orar? O que quer dizer orar continuamente? A recomendação de São Paulo é: “Orai continuamente” (1 Ts 5, 17) e “Orai constantemente no Espírito” (Ef 6, 18). Como pode o homem alcançar este dom da oração contínua, se tem que se ocupar de tantas coisas para ganhar o sustento material de cada dia? No anseio de encontrar o caminho e os instrumentos para estabelecer o colóquio permanente com Deus, os monges do Egito, no início do Cristianismo; depois, da Grécia, e finalmente, da Rússia, aprenderam a praticar a oração do coração que o peregrino russo ensina, passo a passo, aos leitores dos seus Relatos. A certa altura do capítulo 2, ele explica: São Gregório de Tessalônica diz: “Não devemos nos contentar apenas em cumprir o preceito divino de rezar incessantemente em nome de Jesus Cristo, mas também devemos ensinar esta oração às pessoas com quem convivemos: religiosos e simples fiéis, gente culta e gente sem instrução, homens, mulheres e crianças também, procurando despertar em todos o fervor da oração incessante”. São Calixto diz: “Não devemos reservar só para nós o exercício espiritual, a oração interior, o conhecimento da contemplação e todos os meios de elevar a nossa alma a Deus, mas devemos preservar essa experiência – por escrito – para ajudar os outros, para colaborar para a salvação de todos”. A peregrinação da vida espiritual O opúsculo Relatos de um Peregrino descreve a peregrinação de um cristão devoto, que ouviu o convite da oração contínua, e saiu à sua procura por todo o território da Santa Rússia, de mosteiro em mosteiro, de igreja em igreja, por toda a parte, por cidades belas e por regiões inóspitas, entrevistando-se com pessoas de bem e deparando-se com pessoas indiferentes, senão até do mal. Simbolicamente, esta é a peregrinação da alma devota, pelo vasto território da vida espiritual, em busca de um dom de Deus, um carisma especial: a oração contínua, aquela oração em que o coração se abre para o colóquio com Deus, em qualquer lugar, em qualquer tempo. A fórmula da oração Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, porque sou pecador. Esta é a breve invocação que aparece em vários lugares do Evangelho. É a oração do cego de Jericó a Jesus que passava: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim” (Lc 18, 38). É a súplica do publicano no templo:
“Meu Deus, tem compaixão de mim, que sou pecador” (Lc 18, 13). É a prece dos dois cegos: “Tem compaixão de nós, Filho de Davi” (Mt 9, 27). É o pedido da cananéia: “Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim” (Mt 15, 21). É a mesma reza do pai do jovem epiléptico, a mesma dos dez leprosos curados por Jesus. Esta invocação está no início, meio e fim das orações de todas as igrejas: Kírie, eléison imas. O verbo grego (eléison) lembra o fármaco do óleo de oliveira que cura as feridas e o verbo eslavo (pomílui) tem a mesma raiz da palavra que significa ternura, compaixão. Tende piedade de nós significa: - desculpa a nossa fragilidade e trata-nos com tua ternura. A vida humana é uma só, mas com um lado exterior, material; e outro interior, espiritual. A oração de Jesus é um exercício espiritual que funde os dois lados da vida humana na unificação interior, sob a ação do Espírito Santo. O peregrino confidencia, com toda naturalidade, que debalde consultou livros e doutos pregadores, e que só começou a experimentar os frutos de seus esforços e aprendizado, quando humildemente aceitou a instrução de um ancião, um guia espiritual (staretz) experiente. O guia é indispensável. O guia da oração Quem é o ancião experiente, o staretz, tão presente na vida espiritual da Rússia? O Ocidente veio a conhecer este tipo de mestre, característico do monaquismo russo, através do romance de Dostoievsky: Os Irmãos Karamazov. Os startsy eram venerados no Oriente, e também na Rússia antiga, desde os primeiros séculos do cristianismo, mas reapareceram especialmente nos mosteiros russos no século 19, com o staretz Paíssy Velitchkovsky e seus discípulos. Os startsy mais famosos foram os do mosteiro de Optino. Qual a relação do staretz com quem se inicia na vida espiritual? Dostoievsky diz que o staretz atrai a alma e a vontade do discípulo para a sua vontade, de modo que, ao escolher um staretz como pai espiritual, o cristão renuncia à sua própria vontade e se submete inteiramente à dele, com absoluta resignação, voluntariamente, na esperança de conquistar o autocontrole e, pela obediência, conquistar a perfeita liberdade, num esforço de regeneração, passando da escravidão para a liberdade. O Metropolita Pedro de Suroj descreve a pessoa do staretz, pelo lado carismático, quando diz: “Alguém só pode chegar a ser staretz pela graça de Deus, porque este estado é um carisma, um dom especial. Não se aprende a ser staretz, como não se aprende a ser gênio. Assim, Beethoven, Mozart, Leonardo da Vinci e Rubliov possuíam o gênio, que não pode ser aprendido em nenhuma escola, em nenhum trabalho, nem com a experiência, porque é um dom da graça divina”. O peregrino aconselha os iniciantes a não se descuidarem de buscar a orientação do guia espiritual, para não caírem em ilusões. A este respeito, o Bispo Kallistos Ware adverte, principalmente os cristãos ocidentais, a não pensarem que a oração do coração é uma forma nova e exótica, como uma espécie de ioga cristã para alcançar a paz e a tranqüilidade. Ele diz que, na oração, a repetição puramente mecânica é incapaz de alcançar alguma coisa. Esta oração não é um talismã mágico; requer-se, além da fé, um grande esforço. A oração de Jesus não é mero exercício de concentração e relaxamento, meditação transcendental ou mantra cristão, mas a invocação de Deus feito homem, nosso Salvador e Redentor. O que aí parece ser insinuação de uma técnica psicofísica é algo secundário, porque a oração, como dom de Deus, não está sujeita a nenhuma técnica. Com as devidas precauções que o Bispo Kallistos expõe, a forma secundária de repetição ininterrupta da fórmula, com exercícios de concentração e respiração, é um instrumento que ajuda a alcançar a oração do coração, como o peregrino explica através das palavras de autoridade do staretz, quando este ensina que “...a oração contínua é a aspiração ininterrupta que impele o espírito humano para Deus... é a invocação ininterrupta do seu nome divino com a mente e com o coração... em todo o tempo e em todo lugar”. Lendo-se o livro do peregrino, aprende-se a oração de Jesus, passo a passo, e se experimenta o gosto pela leitura sagrada da Escritura, a lectio divina monástica e a leitura espiritual da Filocália. |